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A endometriose é uma doença ginecológica inflamatória, estrogênio-dependente, caracterizada pela presença de tecido semelhante ao endométrio fora da cavidade uterina. Essas células podem se implantar em locais como ovários, tubas uterinas, intestino, bexiga, ligamentos uterinos e até mesmo em regiões mais distantes como o diafragma ou o pulmão. Essa condição afeta entre 2% e 10% das mulheres em idade reprodutiva, e, em alguns estudos, até 50% das mulheres com dor pélvica crônica ou infertilidade têm diagnóstico confirmado de endometriose.

Por ser uma doença de sintomas variados, a endometriose costuma levar anos para ser diagnosticada, uma média de 7 a 10 anos, de acordo com estudos. Esse atraso contribui para o agravamento do quadro e o sofrimento prolongado das pacientes, que muitas vezes são desacreditadas ao relatarem suas dores.

Afinal, existe cura para a endometriose?

A pergunta que mais ecoa entre as mulheres diagnosticadas é: “A endometriose tem cura?” E a resposta, com base no conhecimento médico atual, é: não, a endometriose não tem cura definitiva. Isso porque, mesmo após a remoção cirúrgica das lesões ou o uso de tratamento hormonal, as células endometrióticas podem permanecer ou retornar. A doença é considerada crônica e recorrente, e o objetivo principal do tratamento é o controle dos sintomas, a preservação da fertilidade e a melhoria da qualidade de vida.

Dizer que não tem cura não significa que não há solução. Pelo contrário. Com os avanços da medicina e uma abordagem individualizada, é possível controlar a doença com alta eficácia, o que reforça a importância de informação de qualidade e acompanhamento com profissionais especializados.

Gravidez cura a endometriose? Um mito perigoso

É comum que muitas mulheres ouçam de médicos ou pessoas próximas que “engravidar cura a endometriose”. Este é um mito perigoso. Durante a gestação, o corpo entra em um estado hormonal que suprime o ciclo menstrual, o que reduz a atividade das lesões de endometriose. Isso pode aliviar temporariamente os sintomas, especialmente a dor. No entanto, essa melhora não é definitiva. Após o parto e a volta das menstruações, os sintomas geralmente retornam.

Além disso, usar a gravidez como forma de tratamento ignora o sofrimento e a complexidade da condição, além de colocar pressão em mulheres que não desejam ou não podem engravidar naquele momento. A gestação pode, sim, ser um período de alívio, mas não é uma terapia válida ou indicada como tratamento.

E a cirurgia? Resolveria o problema de forma definitiva?

A cirurgia é uma das opções terapêuticas mais utilizadas, especialmente nos casos em que os sintomas são intensos, refratários ao tratamento clínico ou quando há endometriomas (cistos de endometriose nos ovários). No entanto, é um erro acreditar que a cirurgia é sinônimo de cura.

Segundo o estudo de Yılmaz Hanege et al. (2019), utilizado como base para este artigo, a cirurgia para remoção de endometriomas pode levar à redução da reserva ovariana. O impacto na fertilidade pode ser significativo, especialmente em mulheres jovens ou com cistos bilaterais.

Outro fator importante é que a endometriose pode retornar mesmo após uma cirurgia bem-sucedida. A taxa de recorrência da doença ovariana varia entre 20% e 40% após 5 anos, e por isso, a decisão de operar deve sempre considerar os riscos e benefícios no contexto de cada paciente. A boa notícia é que novas técnicas cirúrgicas menos agressivas, como o uso de laser de CO₂ ou ablação por plasma, vêm mostrando resultados promissores na preservação da reserva ovariana.

Impactos na fertilidade: o que a ciência já sabe

A relação entre endometriose e infertilidade é complexa e multifatorial. A doença pode prejudicar a fertilidade ao:

  • Alterar a anatomia pélvica e distorcer as tubas uterinas;
  • Provocar inflamações no ambiente peritoneal que afetam a qualidade dos óvulos e espermatozoides;
  • Comprometer a receptividade endometrial;
  • Formar aderências que dificultam o transporte dos gametas.

Mesmo assim, nem todas as mulheres com endometriose são inférteis. Estima-se que entre 30% a 50% das mulheres com a doença tenham dificuldade para engravidar, mas muitas conseguem conceber naturalmente, especialmente em casos leves a moderados.

Em ciclos de fertilização in vitro (FIV), as pacientes com endometriose podem apresentar menor número de óvulos e menor resposta ovariana, especialmente se houver endometriomas ou histórico de cirurgias. O estudo citado mostra que a presença de endometriomas está associada a uma queda nos níveis de AMH, indicando menor reserva ovariana.

Cirurgia e fertilidade: riscos reais e alternativas

A cirurgia, quando necessária, deve ser feita com o mínimo impacto possível na função ovariana. O estudo de Yılmaz Hanege et al. (2019) destaca que a técnica cirúrgica e o método de hemostasia (controle de sangramento) utilizados influenciam diretamente a preservação da fertilidade. A coagulação bipolar, por exemplo, foi associada à maior redução da reserva ovariana, enquanto o uso de suturas ou hemostáticos em gel apresentou menor impacto.

Para mulheres jovens que ainda não têm filhos, o congelamento de óvulos antes da cirurgia pode ser uma medida preventiva eficaz, garantindo a possibilidade de maternidade futura. Essa estratégia é cada vez mais recomendada pelas diretrizes internacionais.

Dor que não passa? O papel do sistema nervoso

Uma das frustrações mais comuns entre pacientes é continuar sentindo dor mesmo após tratamentos clínicos ou cirurgias. Isso pode estar relacionado à sensibilização central, um mecanismo em que o sistema nervoso se torna hiper-reativo à dor. Nesse contexto, o cérebro “aprende” a sentir dor mesmo sem estímulo direto das lesões endometrióticas.

Essa forma de dor é mais difícil de tratar e exige uma abordagem multidisciplinar, que pode incluir:

  • Fisioterapia pélvica especializada;
  • Psicoterapia;
  • Técnicas de mindfulness e gerenciamento do estresse;
  • Medicamentos neuromoduladores.

A dor da endometriose não é apenas física, mas também emocional, e precisa ser tratada com respeito e profundidade.

Preservação da fertilidade: quando pensar nisso?

Toda mulher diagnosticada com endometriose, especialmente na forma ovariana, deve ser orientada sobre os riscos à sua reserva ovariana e as opções de preservação da fertilidade. Entre elas estão:

  • Congelamento de óvulos (criopreservação de oócitos);
  • Congelamento de embriões (para mulheres com parceiro e decisão conjunta);
  • Supressão hormonal para retardar a progressão da doença até o momento ideal de gestar.

Essas opções devem ser discutidas com um especialista em reprodução humana, preferencialmente antes de qualquer intervenção cirúrgica.

O impacto emocional da endometriose

A endometriose não compromete apenas o corpo, ela afeta o psicológico, os relacionamentos, a vida sexual e a autoestima das mulheres. Anos de dor sem diagnóstico, escuta inadequada ou banalização do sofrimento criam um cenário de exaustão física e emocional.

Muitas pacientes relatam isolamento, dificuldade para manter a produtividade no trabalho, culpa por não conseguirem engravidar e frustração com o próprio corpo. Por isso, o acolhimento empático e o apoio psicológico são fundamentais no tratamento da endometriose.

A doença sempre progride com o tempo?

Um equívoco comum é imaginar que toda endometriose irá piorar progressivamente. A verdade é que a evolução da doença varia muito de mulher para mulher. Em algumas, as lesões permanecem estáveis por anos; em outras, progridem rapidamente.

Fatores como genética, resposta imunológica e níveis hormonais podem influenciar esse comportamento. Por isso, o acompanhamento individualizado com exames periódicos e ajustes no plano terapêutico é indispensável.

Cada mulher é única e o tratamento também deve ser

Não existe um protocolo único para todas as pacientes com endometriose. O tratamento ideal depende de fatores como:

  • Idade da paciente;
  • Gravidade dos sintomas;
  • Localização das lesões;
  • Desejo reprodutivo;
  • Histórico de cirurgias e tratamentos prévios.

Muitas vezes, é necessário combinar terapias: medicamentos hormonais, cirurgia, fisioterapia, nutrição funcional, entre outros. Essa abordagem integrada é a que mais traz resultados duradouros.

Caminhos possíveis

A endometriose não tem cura definitiva, mas tem sim tratamento eficaz. Informar, empoderar e acompanhar cada mulher com responsabilidade é essencial para garantir o melhor desfecho possível.

Mitos como “engravidar cura”, “a cirurgia resolve tudo” ou “quem tem endometriose nunca engravida” precisam ser substituídos por conhecimento científico e empatia. O caminho da cura pode não ser literal, mas o percurso rumo ao controle da doença e à reconquista da qualidade de vida é possível, concreto e real.

Leia também em nosso blog sobre a cirurgia para endometriose.

 

Referência:
YILMAZ HANEGE, B.; ÇEKIÇ, S. G.; ATA, B. Endometrioma and ovarian reserve: effects of endometriomata per se and its surgical treatment on the ovarian reserve. Facts, Views & Vision in ObGyn, [S.l.], v. 11, n. 2, p. 151-157, 2019. Disponível em: https://fvvo.be/assets/818/FVVinObGyn-11-151.pdf. Acesso em: 06 maio 2025.